sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Acabou, mas ano que vem tem mais

Deve ser o ultimo post de 2007. Acho que nao terei tempo de ficar postando durante a minha estadia no Brasil.

Depois eu registro as minhas impressoes sobre a viagem.

Um feliz Natal e um prospero Ano Novo. Para aqueles que tem alguma fe no futuro.

Balanco do ano

Uma estranha ansidedade e nervosimo me cercam nestas poucas horas que antecedem a viagem ao Brasil. E quase parecido com a mesma ansiedade e nervosimo que senti antes de vir pra ca.

Mas preciso relaxar um pouco. Afinal, e apenas o intervalo para descansar para o segundo tempo que vem ai, quando precisarei administrar o resultado e ampliar o marcador e melhorar o saldo de gols para ficar mais tranquilo na tabela. E agora e hora do show do intervalo com o Leo Baptista e hora de fazer uma breve retrospectiva dos melhores momentos que nunca antes na historia do pais houve.

Pausa nas metaforas presidencialisticas.

Uma amiga minha disse que o Japao esta me fazendo bem. Que agora eu pareco um homenzinho de verdade. Talvez ate tenha comentado isso aqui, mas acabei nao desenvolvendo muito a ideia.

Nao sei exatamente se e o Japao que esta fazendo bem a mim. Preferia dizer que o momento que estou vivendo e que me ajudou um bocado. Acho que e a confluencia de Japao, amor, novo trabalho, traquilidade, felicidade, novo ambiente, novos desafios.

Nao acreditava em mim mesmo, duvidava de minhas capacidades e achava que tudo que sou agora nao tinha sido mais do que uma feliz e bela coincidencia. Achava que minha vida tinha se resumido a ver as coisas caindo no meu colo e simplesmente escolhendo o que catar sem fazer muita forca. E que meu unico esforco consciente tinha sido estudar para o vestibular.

E por conta deste nao-esforco ou esforco inconsciente, passei alguns anos no Brasil sentindo-me meio perdido, sem muitas perspectivas para o futuro. E isso realmente nao faz bem pra cabeca.

Mas desde que vim pra ca, as coisas mudaram bastante. Acabei percebendo que muitas das coisas que eu fiz e conquistei ate agora nao foram fruto do acaso, mas do meu proprio esforco pessoal. Sou fruto de meus proprios esforcos, do que fiz e do que faco. Acordei de uma fase de ibernacao. E gracas a nova percepcao que adquiri, tenho um montao de sonhos e planejo o futuro. E quanto mais sonhos vou construindo, mais eles tendem a megalomania (mas ainda com um pezinho na realidade) mas ainda assim cada vez mais factiveis e possiveis de serem concretizados.

Mas claro que nao vou concretizar-los sozinho. Nem quero. Porque agora o sonho nao e so meu, mas sao nossos. A verdade e que o fato de ter uma mulher que sempre apoia, incentiva a sua evolucao e exige cada vez mais de voce e essencial para a evolucao saudavel do macho. E verdade tambem que o macho nunca sera provedor e sera para sempre um moleque se nao tiver ao seu lado uma mulher forte e exigente para puxar pra cima. Nao encontre alguem que faca isso e morra com o potencial inexplorado, e dormente para sempre.

Agora tenho uma companheira de vida que sei que vai me acompanhar para onde quer que seja (e vou acompanha-la para onde for), que me orientara sobre as decisoes certas a serem tomadas, que nao ficara sempre passando a mao na minha cabeca e me dara uns safanoes quando tiver alguma ideia insana ou comecar a ficar com preguica de viver.

E isso. Estava com preguica de viver. Mas agora estou renovado, pronto para enfrentar de cabeca erguida e peito estufado as decadas restantes. Estou feliz com o momento, otimista e esperancoso em relacao ao futuro.

Quem disse que fazer 30 anos nao muda nada?

O japones frio e timido ou doidao – combate ao estereotipo de uma sociedade

E sabido que o “wa”, cuja traducao mais adequada e harmonia, definida no dicionario Huaiss como “1 combinacao de elementos diferentes e individualizados, mas ligados por uma relacao de pertinencia, que produz uma sensacao agradavel e de prazer; 2 ausencia de conflitos; paz, concordia; 3 conformidade entre coisas ou pessoas; concordancia, acordo” e uma das pedras fundamentais da sociedade japonesa.

Olha que coisa bonita: uma sociedade que evita o conflito, busca a paz e conformidade entre as pessoas.

Lindo na frieza do dicionario, mas o resultado final e um pais campeao mundial de suicidio. Parece contraditorio? O que uma coisa tem a ver com a outra? E mais ou menos esta a pergunta - “porque os japoneses se matam tanto?” – que eu me fazia mas nao encontrava uma resposta convincente.

Inserido na sociedade japonesa, passei a entender melhor porque o povo japones e o que e e tambem passei a interpretar melhor as informacoes e sinais que eu ja tinha sobre esse pais.

E como resultado, passei a me entender melhor, compreender melhor as minhas atitudes e encontrei respostas para algumas questoes para as quais nao encontrava solucao. Foi quase um nirvana pra mim, que cresci entendendo so mais ou menos essa coisa complicada que sou eu e tambem a sociedade japonesa.

Pois passemos a minha resposta a minha pergunta.

O japones vive num circulo social bastante opressor pela busca obsessiva da tal harmonia. E a mesma historia do remedio que, se aplicado em doses excessivas, resulta em efeitos colaterais terriveis e perversos.

O japones e bombardeado por pressoes vindo por todos os lados da sociedade, que tenta a todo o custo ajustar as pessoas a forma do bolo social. Esta la cravado desde ha muito tempo que voce deve estudar, deve tirar boas notas, deve ir a uma faculdade, trabalhar em uma boa empresa, casar, ter filhos, sempre buscar a paz e o consenso social. E ponto. Nada alem disso. E desde japonesinho o japones e preparado e forcado a enfrentar neste ciclo.

Nao ha escapatoria, sair deste sistema resultara em sofrimento e uma grande pressao por parte do “seken”, que ira condenar qualquer tentativa de violacao do fragil equilibrio que cria a harmonia do meio. “Seken”, que e uma palavra de dificil traducao, vem a ser o conjunto de individuos formado pelo entregador de jornal, os vizinhos, a mae dos coleguinhas do seu filho, o atendente da vendinha, dos professores, aquele colegas de firma que so pegam o elevador com voce, enfim, aquela micro-sociedade formada pelo “conhecido” e que cerca o dia-a-dia do cidadao, a sociedade imediata, aquele grupo de pessoas que faz parte do cotidiano do individuo.

Tudo bem se a coisa parasse por ai. Mas as consequencias de suas escolhas podera se estender a sua familia, uma vez que o individuo nada mais e do que o resultado do que a familia fez com ele. Logo, a familia acaba tendo a mesma carga de responsabilidade sobre quaisquer erros ou comportamentos inadequados em sociedade de determinada pessoa.

O resultado de todo esse emaranhado de relacoes sociais e uma pressao tremenda nao somente por parte do “seken”, mas tambem da familia - que teme com razao entrar no estado de quase-limbo social em virtude de determinadas atitudes de um de seus membros – para que o homem japones se enquadre no esquema posto, no ideal de sociedade harmoniosa.

Toda esta pressao social que existe sobre o individuo e a familia acaba por explicar, por exemplo, a atitude de algumas familias que preferem esconder um filho deficiente fisico ou mental nas dependencias de sua casa a enfrentar o preconceito; a mulher que decide nao por os pes na rua ate morrer pela vergonha em nao ter arranjado marido; ou os adolescentes que sobrevivem no proprio quarto e jamais tem contato social.

E facil perceber, portanto, que o Japao esta mergulhado em um regime integral e intenso de auto-vigilia. A todo o momento o japones esta sendo julgado, forcado, moldado, pressionado, criticado e analisado por outrem e qualquer deslize, uma atitude mal planejada ou executada significa eliminacao do jogo. Acho que agora entendo porque nao me empolguei tanto com 1984 (mentira, na verdade li ha muito tempo e so nao lembro qual foi a sensacao ao terminar de le-lo).

E se voce nao consegue se adaptar a este ambiente, voce e o problema. Nao ha nada de errado com uma sociedade que prega a harmonia. As regras ja estao ai, escritas ha muito tempo e cabe a voce segui-las. E se por acaso voce esta sofrendo porque as regras sao muito duras, nao esmoereca, levante a cabeca, deixe de ser fraco, engula o choro e volte ao jogo. O que e que os vizinhos vao pensar de nos? E a lavagem cerebral que todos sofrem desde o nascimento. E e tambem por viver neste ambiente que japones fica perdido se nao houver planejamento na vida diaria. Porque toda a sua vida ja foi planejada, la atras e com frieza matematica, desde a epoca em que voce estava no saco do seu pai. Nao ha espaco para emocoes mais fortes, improvisos e falta de organizacao.

Neste ambiente opressor, nao ha com quem desabafar, nao ha como mostrar fraqueza, nao ha para quem correr. Isso explica tambem a historia que ouvi, de que terapia e algo quase inexistente neste pais. E carinho tambem - mas isso eu nao precisava ouvir, (nao) presencio todos os dias.

Toda essa confluencia de fatores, a internalizacao de todas as angustias, medos e emocoes reduz em ultima instancia o espaco para o exercicio da individualidade e da criatividade, sufocando o homem.

Na verdade espaco para a criatividade e exercicio de individualidade ate ha, desde que isso signifique nao incomodar os outros. E dai e que surgem os escritores japoneses, os desenhistas de mangas, os malucos que ficam dancando sozinhos em Yoyogi Park, os cosplayers que ficam fantasiando um mundo diferente, a moda maluca do Japao. Se voce nao for capaz de criar o seu proprio mundo – desde que, obvio, nao signifque conflito com o mundo real - para de alguma forma descarregar e despressurizar a si proprio, nao ha outra saida que nao puxar a cordinha e pedir para sair do trem. Ou saltar dele se nao parar.

Nao e facil ser japones. Viver na sociedade japonesa muito menos. Nao tenho a sensacao agradavel e de prazer que a harmonia deveria proporcionar.

Nao quero que meu pai ache que sou um infeliz. Muito pelo contrario, so tenho a agradece-lo pelo fato dele ter percebido o quao perigoso e este mundo e decidido se mudar ao Brasil praticamente com uma mao na frente e outra atras, deixando para tras a familia e amigos. Serei eternamente grato pela decisao de quase tres decadas.

Mas nao posso negar que identifico em mim algumas influencias desta sociedade tao bela e tao fera.

A harmonia em sociedade tem um preco: individuos fortes que respeitam as regras e (auto)eliminacao daqueles que nao estao adaptados ao meio-ambiente. So confirma que somos seres vivos. Nem racionais nem irracionais.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Resumo da semana

Por falar em centenario, crime, lei, Japao, Brasil, ta aqui uma noticia que resume bem os temas dos ultimos posts.

Esquecam tudo ou do aumento do custo de vida

Hoje rola o “bonenkai” (em traducao literal, “encontro para esquecer o ano”, ou em traducao contextualizada, festa de fim de ano) do juridico.

Todo mundo reclama de festa corporativa de fim de ano mas na verdade no fundo ninguem tem o que reclamar porque a enchecao de saco e compensada pela bebida e comida na faixa. O saldo final, portanto, e zero. Na verdade, nao e zero, tende a ser positivo (ou nao), porque sempre tem neguinho sem nocao que passa da conta e da vexame, o que resulta em boas risadas e historias ate o carnaval.

Mas a minha situacao e diferente. Tenho razoes de sobra pra reclamar.

Trabalho numa empresa pao dura em um departamento que so da despesa. Nesta situacao, e natural que para fazer parte do “bonenkai”, tenha de pagar por ela. E o custo nao e baixo, nao. A brincadeira deve sair em torno de ¥7,000, quase 70 doletas.

Se tivesse a opcao de escolher entre participar e nao participar, nao seria uma coisa ruim, mas a participacao e compulsoria, como em todo evento corporativo (especialmente no Japao, onde trabalho tem prioridade sobre a familia). E a minha participacao torna-se ainda mais obrigatoria que o normal, uma vez que rolou a extensao do meu contrato e tenho que mostrar um pouco de gratidao.

Por este preco, dava pra pegar a muie e ir pra um restaurante bacana para um jantar acompanhado de uma tacinha de vinho. Se for calcular o custo de ¥7,000 por cabeca, da ate para ir a restaurante estrelado.

Espero pelo menos que os joguinhos e as apresentacoes dos calouros rendam algumas risadas.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Autumn Leaves






O ano esta acabando e junto com ele, as ultimas folhas nas arvores anunciam o final de uma das epocas mais bonitas do ano.

Dava gosto de ver os jardins do palacio imperial que eu vejo da minha mesa, as arvores das ruas e os parques todos forrados de vermelho e amarelo.

Um tipo de espetaculo que infelizmente nao da para ver no Brasil (assim como muitos outros espetaculos que eu gostaria de ver na tao judiada patria).

Daqui pra frente deve comecar o frio de verdade, existindo ate uma probabilidade minima de nevar em Toquio na epoca do Natal, o que e uma raridade.

Nao tenho mais saco para trabalhar este ano. So consigo pensar nas minhas ferias de Japao.

Japao brutal

Faltam poucos dias para viajar ao Brasil e estou com uma certa paranoia em relacao a guerra urbana pega pra capar que corre solta por ai.

Viver em um dos locais mais seguros do mundo faz voce se acostumar a viver com as defesas guardadas e nao viver a beira do colapso mental de tanto stress de sair nas ruas. E e bom viver sob um estado que deveria ser natural.

Obvio que o Japao nao e imune a criminalidade. O interessante (ou o que da medo) dos crimes daqui e que eles sao sempre cercados por requintes de crueldade e uma dose cavalar de insanidade. Sao crimes que parecem ter sido minuciosamente planejados para chocar.

O mais recente destes crimes foi o suposto assassinato de uma senhora e duas de suas netas pelo cunhado da primeira por conta de uma divida. Como o uso de armas de fogo e proibido no Japao (e aqui a lei sempre pega), o suspeito usou uma faca de cozinha para golpear as vitimas. As criancas so foram esfaqueadas porque elas comecaram a gritar muito.

Alias teve um crime parecido - matar crianca por conta do barulho - ha uns tempos atras tambem mas a diferenca e que a relacao entre vitimas e assassino nao era familiar, mas de amizade - o maluco matou os filhos de um amigo.

O uso da faca acaba dando asas a imaginacao doentia das pessoas que cometem os crimes.

Pouco depois que eu vim pra ca, teve um outro crime que chocou a sociedade e que envolveu o seu uso.

No crime em questao, um estudante confessou ter matado a propria mae. Apos tirar a vida daquela que lhe deu vida (acabei de ler "Elite da Tropa" e agora tenho licenca poetica para cometer essas barbaridades literarias), de mala e cuia ele calmamente pegou um taxi, foi ate a delegacia mais proxima e disse aos policias que acabou de cometer matricidio. Chegando ao local do crime, os miganha viram o corpo decapitado e perguntaram ao moleque o que tinha acontecido com a cabeca, eis que na delegacia ele mostra o conteudo da bolsa que trazia consigo.

Acho que ele errou a mao na hora de apresentar o saco para a mae.

E parece que o psicopata japones tem uma predilecao com essa coisa de arrancar partes do corpo da vitima. Nao foi uma ou duas vezes que acharam pedacos de corpos dentro dos milhoes de “lockers” que existem nas estacoes de trens Japao afora. Tenho ate medo de usar esse servico porque nunca se sabe se a sua caixinha sera premiada.

E ja que o assunto e crime, tambem tenho uma historia que mostra a incompetencia dos policiais - mas talvez nao seja culpa deles, talvez a culpa seja dessa lei absurda que tal qual no Brasil, nao permite o cidadao de bem pagador de impostos adquirir uma misera armazinha de numeracao raspada para proteger o seu patrimonio e que alem disso tirou o instrumento de trabalho dos milhares de dimenor atuantes no ramo de coleta de valores nos sinais deste Brasilzao gigante.

Ha alguns meses, teve a historia de uma professora inglesa de ingles (trabalho de 90% dos gringos que nao sao expatriados) que foi estuprada e morta por um de seus alunos e “enterrada” na banheira da casa do cidadao (para ser mais preciso, foi coberta com areia). A policia, que ja estava investigando o desaparecimento da moca, deslocou meia duzia de seus homens para a casa do suspeito, que atendeu a porta.

Agora a parte mais incrivel.

O suspeito driblou todos estes homens mesmo tendo um diminuto espaco no corredor do predio, saiu correndo, ganhou a rua e desapareceu da vista. Nem Robinho conseguiria fazer isso, principalmente porque o meliante estava descalco.

Porem, o mais inacreditavel nao foi a habilidade do cara com os pes, nem o tamanho da incompetencia policial. Foi a honestidade que fez a policia esquecer a humilhacao para reportar o ocorrido para os superiores, que depois ainda divulgaram o fato a imprensa.

A PM paulista e a SSP/SP definitivamente precisam comecar a dar uns cursos para estes caras sobre abordagem de suspeitos e divulgacao de fatos a imprensa.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Agora e oficial

Acabei de fechar a extensao do meu contrato e vou ficar sete meses alem do previsto originalmente. Depois da minha rapida visita ao Brasil agora no final do ano, pais do sol, gente morena, samba e futebol, so no final de 2008. Existia a possibilidade de ficar mais, mas acho que nao conseguiria, estes tempo sera mesmo o meu limite.

Depois de tanto tempo de Japao, pelo menos agora sentimo-nos na porta de entrada do mundo globalizado. Mas para mergulhar de cabeca nele, acho que ainda falta um pouco mais de preparo. E para isso e que estamos tracando desde ja uma nova meta, para ser concretizada em um prazo de dois anos.

E bom ter novos e mais desafiadores objetivos, coisa que, confesso, sentia muita falta no Brasil.